A diferença do igual
Por Paulo Gomes
O que atrai, de modo tão irresistível, nosso olhar para as obras de Marta Penter? É uma obra de valores superiores: uma fatura de destacada qualidade, executada pela artista com mão precisa e olhar arguto e ainda o atualíssimo tema das filas, nas quais os jovens, sempre os jovens, esperam.
Do ponto de vista da sua instauração, é uma obra que parte da lógica da observação, isto é, dois olhares e duas práticas: a fotografia e a pintura. De posse das fotografias, a artista recorta os momentos mais expressivos: os corpos em espera, plenos de posturas e gestos significativos. São eliminadas as máscaras faciais, nas quais as expressões se dão a ler de maneira óbvia e direta, pois a intenção é a de enfatizar o todo expressivo. A visão em cinemascope das figuras, sobre os amplos fundos, exige o mesmo olhar deslizante que temos frente às filas que lhe são tema. Os grandes formatos, ao mesmo tempo em que exigem esse olhar panorâmico, permitem a exibição das figuras em tamanho muito próximo do real e impõem a aproximação, como um pré-requisito, para que percebamos os minúsculos gestos da instauração das formas. Essa estratégia de construção de imagens se fortalece com a economia do preto sobre o branco pontuado, aqui e ali, por pequenos acréscimos de azul, rápidos destaques ópticos que potencializam essas imagens inócuas, tão próximas das fotografias de jornais.
Se a economia de meios nos obriga ao rigor da observação, dando destaque ao tema mais do que à fatura da obra, do ponto de vista temático ficamos ainda mais intrigados: o que estes jovens esperam nas filas? Um evento, uma celebração, uma comemoração? As filas, mais do que lugares de espera, são lugares de exposição: ali parados, eles vêem e são vistos. Para eles, elas têm uma função acima de quaisquer considerações de bom senso: a espera é o tempo no qual se dá a ênfase nas individualidades, na busca de objetivos, na expectativa, tão contemporânea, de observar e ser observado.
Observando atentamente as pinturas de Marta Penter, percebi uma afinidade especial: elas falam daquilo que Yeats, tão belamente, expôs em alguns versos de Velejando para Bizâncio:
Este não é país para ancião.
Jovens aos beijos [...] no verão
Só louvam o que nasce e vai passar.
Na música sensual vêem com desdouro
As obras do intelecto imorredouro.
W.B. Yeats estava, inevitavelmente, imbuído do espírito de sua época: um tempo amargurado e sem ilusões, agora remoto para nós. Tempo que, entretanto, figura-se, com uma atualidade assustadora, na relação entre o tempo presente das imagens e na representação do espaço cotidiano de Marta Penter. Toda a potente contemporaneidade que a artista nos revela, nos seus bandos de adolescentes, jovens de quaisquer lugares do mundo que, na igualdade de seus objetivos, cultuam uma lógica distante da do mundo (nosso e de Yeats): a diferença do igual.
Paulo Gomes, Outono 2013