Enigmatic reflections. Thoughts about Martha Penter’s latest paintings
By Kathrin Rosenfield

On a recent visit to Martha Penter's studio, my first impression was:  my eyes are hitting a huge fragment of Degas' famous sculpture of the ballerina. I mean “hitting” quite literally, because there was the object, huge in the Middle, and yet, some barrier which made it difficult to recognize the object: the ballerina's face is cut off a little above her nostrils, and her legs disappear out of the frame a little below her petticoat. The colors of the canvas (and of the whole studio) revolve around gray-white with some blues. Although fragmentary, the amputated figure is striking and immediately evokes one of the icons of the mutation of modern art, of  the art of seeing art,  and of taste – because the ballerina is an icon of art much more modern than the impressionism with which we identify Degas. At the time, the sculpture was rejected by the Salon for a number of reasons: the oddness of its size, neither large nor small, the expressiveness of the poor ballerina's face in a somewhat natural and unfortunate resting posture, the combination of perennial material with fabric clothing; the poor ballerina was a “failure” that Degas kept in some hiding place for posterity to rediscover, admire, be amazed by, and denounce the errors of the conventional gaze.

To begin to admire (after an instant of latency), and to be surprised  - with the object seen and with oneself seeing it afresh, in a new and ever shifting way: this is not as simple as one might think. It's a highly complex process (despite the fact that it can happen in an instant that is sometimes minimal and beyond the control of consciousness), to which Ludwig Wittgenstein dedicated his reflections when he had reached a mature age. But let's not go into this thorny subject of the Philosophical Investigations; let's return to the art with which Marta Penter's canvases entangle us in this process. Icon aside, everything on that canvas with the fragmented dancer in the center is equally (ir)recognizable: starting with her, whose torso is blurred by some other image(s) or some enigmatic sign... And, on the “rest” of the canvas, - what are we looking at? Is it a museum room or a city? Where: in Europe or the Americas. Are we seeing an image of Degas' sculpture itself, or an image of an image of sculpture? The more you look and ask, the more you plunge into a kaleidoscope.

Moving on to another canvas close by, some light is shed into the viewer's mind. There we are, in the museum - better: in the trivial reverse of the museum, in the unavoidable Museum Shop, in the place where  the great works of art eternalized (at least temporarily) by the fame of the museum become commodities; we immerse ourselves in cultural consumerism: shelves of art books, objects, people choosing, buying, taking possession of the ineffable - all seen through the glass separating the lobby and the store. And now the technique becomes clear: we are seeing reflections - sometimes through the glass panes, sometimes inside and behind them, appear the stirrings of parallel worlds - projections of originals and copies, of the authentic and the simulacrum. “Unique” people and works, with their own singularity and authenticity, are there, multiplied, dissolved in shadows and ghosts. The world in which we live is multiplied into spectral, intertwined universes; a maze of signs, simulacra and inextricable icons... all through armored glass whose function is to create a visibility in almost depraved exposure and at the same time in ultra-private exclusivity.

Marta Penter captures the phantasmagoria of icons and fetishes that make the world of art,  of the fashionable art-world and fashion trying to get close to the art world: in the next canvas we are already immersed, in the company of the artist's countenance, in the Prada shop windows and the reflection, in the Prada vitrine, of the fascinating Hermès shop-sign across the street:  the artist is standing there, taking a photo of the expensive clothes on the mannequins and blending in with their silhouettes, ready to walk in the designer shoes on their feet, out into the other world. Her canvases offer us a mirror of the Babylonian confusions which we and others around us create with our desire, which shifts from the “eternal” to the volatile with the greatest of ease, reconciling the greatest contradictions in a constant rush that that adulterates and confuses everything - ourselves, individual with a unique singularity, cultured and special (at least potentially) - with the masses of cult tourism, anonymous anybodies who travel the world by plane, train, metro or boat, in search of the ineffable - sometimes in vain, sometimes not altogether so.…

Reflexos, enigmas, reflexões
Por Kathrin Rosenfield

Em uma recente visita ao ateliê de Marta Penter, a primeira impressão era a de meus olhos batendo num imenso fragmento da famosa escultura da bailarina de Degas. Quero dizer “bater” de modo bastante literal, pois havia aí o objeto e mais uma barreira para o reconhecimento do objeto: – o rosto da bailarina está cortado ao nível  da ponta do nariz e as pernas um pouco abaixo do saiote. As cores da tela (e do ateliê todo) girando em torno do cinza-branco com alguns azuis. Embora fragmentar, a figura amputada é chamativa e logo evoca mais um dos ícones da mutação da arte moderna de ver e do gosto – de uma arte muito mais moderno do que o impressionismo com o qual identificamos Degas. Assim sendo, na sua época, a escultura foi rejeitada pelo Salon por várias razões : a estranheza do tamanho, nem grande nem pequeno, a expressividade do rosto da bailarina pobre numa postura de descanso um tanto natural e desgraciosa, a combinação de material perene com vestimenta em tecido; a pobre bailarina foi um “fracasso” que Degas guardou em algum esconderijo para a posteridade redescobri-la, admirá-la, admirar-se com ela, com sua bizarra história, e denunciar os erros do olhar convencional...

Começar a admirar (depois de um instante de latência), e admirar-se: isso não é algo tão simples quanto se pensa. É um processo altamente complexo (apesar do fato de poder acontecer num instante às vezes mínimo e fora do controle da consciência), ao qual Ludwig Wittgenstein dedicou suas reflexões da maturidade. Mas não vamos entrar nesse assunto espinhoso das Investigações Filosóficas; voltemos à arte com que as telas de Marta Penter nos enredam nesse processo. Pois ícone à parte, tudo naquela tela com a bailarina fragmentar no centro é igualmente (ir)reconhecível: começando com ela, cujo torso está borrado por outra(s) imagen(s) ou algum signo enigmático... E no “resto” da tela - o que estamos vendo? É uma sala de museu ou uma cidade? Onde: na Europa ou nas Américas. Estamos vendo uma imagem da escultura de Degas mesmo, ou uma imagem de uma imagem da Escultura? Quanto mais se olha e pergunta, mais mergulhamos num caleidoscópio.

Deslizando para outra tela, alguma luz se faz na mente do espectador. Aí estamos, no museu – melhor: no avesso trivial do museu, no incontornável Museum Shop, que é o lugar onde as obras e os valores eternizados (pelo menos temporariamente) pela fama dos museus se transformam em mercadoria; a tela nos espelha como mergulhamos no consumo cultural; prateleiras de livros de arte, objetos, pessoas escolhendo, comprando, apoderando-se do inefável – tudo visto pela vidraça separando o saguão e a loja. E agora fica clara a técnica: estamos vendo reflexos – ora através de vidraças, ora dentro e atrás das vidraças aparecem as agitações dos mundos paralelos – projeções de originais e cópias, do autêntico e do simulacro. Pessoas e obras “únicas”, sua singularidade e autenticidade, encontram-se aí, multiplicadas, dissolvidas em sombras e fantasmas. O mundo no qual vivemos se multiplica em espectrais universos entrelaçados; um cipoal de signos, simulacros e ícones inextricáveis... tudo sempre através de vidros blindados cuja função consiste em criar uma visibilidade depradadamente exposta e ao mesmo tempo ultra reservada.

Marta Penter capta a fantasmagoria dos ícones e dos fetiches que fazem girar o mundo da arte, da arte-moda e da moda-de-arte: na próxima tela já mergulhamos, em companhia do semblante da artista, nas vitrines de Prada e nos sinais fascinantes de Hermès: e a artista está aí de pé, confundindo-se com a silhueta do figurino, pronta para caminhar nos sapatos de grife dos manequins da vitrine.

Suas telas nos oferecem o espelho das confusões babilônicas que comete nosso desejo, quando ele se desloca do “eterno” para o volátil com a maior facilidade, conciliando as maiores contradições nas correrias que nos confundem – nós mesmos, pessoas singulares, indivíduos cultos e especiais - com as massas de turistas cult, que correm o mundo de avião, de trem, metrô ou barco, em busca do inefável – às vezes em vão, às vezes nem tanto....