Marta Penter: Tempo Flutuante
Por Kathrin Rosenfield
Acabo de ver as últimas obras de Marta Penter: telas de tamanho médio com impacto grande. Aí estão os corpos dos beautiful people, moças perfeitas de capa de revista, suspensas num espaço clean. Beleza alheia a tudo, a perfeição dessa feminidade de maiô domina, soberana… o vazio. A colocaçao das telas em considerável altura – mais alta que o normal – reforça a semântica: o “não-informado” do espaço branco na metade inferior da tela evoca aquele vago ambíguo do qual emergem as lindezas depiladas, desodorizadas da humanidade multicultural, cool, homogeneizada pelo gesto monótono (Bourdieu diria “habitus”) do hedonismo. Cá estão corpos dos mais diversos cantos do globo – do Brasil ao Vietnam – flutuando em boias rosa choque e verde maçã, entregues a um lazer de proporção metafísica... Num detalhe adivinhamos as piscinas de resorts à beira mar... o quadro todo sugerindo o fluxo contínuo das autorepresentações compulsórias que nos chegam pelo face, instagram e outras mídias sociais, acumulando ad infinitum as obrigatórias poses de gozo sublime.
Mas aí que a onça dá o bote: nesse Olimpo do narcisismo contemporâneo, nesse paraíso das semideusas entregues, inertes, anestesiadas por uma gama de drogas do amplo arsenal da sociedade de consumo, Marta, de repente redireciona o olhar para o enigma da existência e da arte. Dois quadros em preto e branco dissolvem todo o cenário anterior em formas abstratas – as boias viram esculturas, volumes transpostos para a bidimensionalidade, mas ainda assim volumes animados por uma imensa energia oculta. Esse dinamismo aparece em detalhes apenas. Aqui uma mão crispada que deixa adivinhar o rosto e o corpo ocultos de quem sopra para inflar esse volume; acolá um fragmento de perna. Mas tudo aquilo que não se vê dos corpos parece engajado num forço hercúleo para insuflar vida e volume nessas formas ainda em expansão. É interessante como esse drama aflore paradoxalmente pelo sumiço da pintura figurativa. Essa recua e dá espaço à abstração e à reflexão; das moças representadas no seu repouso glorioso passamos a apresentação de algo mais exigente e despojado: assistimos a uma dimensão difícil de nomear que é a arte na sua pureza e abstração, a energia e o imenso esforço que a animam, a luta demorada pela forma , pelo volume, pela textura e profundidade. É como se a paixão da pintora se fizesse presente e tangível nesses quadros, como se os quadros a apresentassem in absentia.
Há nessa sequência de quadros e fotos um humor seco que me lembrou uma das marotas letras da Bossa Nova de Vinicius de Moraes que diz: “Para viver um grande amor, tem que ter peito – peito de remador!”
E esse peito de remador não falta à Marta.